terça-feira, 26 de novembro de 2019

Parasita (Gisaengchung, 2019)


Precisamos fazer uma interrupção referente aos filmes assistidos durante a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo para comentar sobre o arrebatador vencedor da Palma de Ouro deste ano, que também foi exibido durante o festival mas eu só o conferi recentemente: Parasita, dirigido pelo mestre sul-coreano Bong Joon Ho.

Este é um daqueles filmes que quanto menos se souber de seu enredo, mais prazerosa a experiência será. Acompanhamos uma família pobretona que, por meio de golpes e estratagemas, se infiltra na vida de uma família rica, tal qual parasitas invadindo seus hospedeiros. O parasitismo é uma metáfora fortíssima ilustrada de maneira magistral pelo diretor durante toda a exibição, em cenas intrigantes e lindamente filmadas, como a fuga de alguns personagens durante a chuva, evacuando do lugar invadido ("o hospedeiro") e, tal qual uma descarga, seguindo o fluxo da chuva torrencial até um ralo, representado pelo bairro pobre onde vivem. É uma imagem fortíssima e simplesmente fenomenal.

O sentimento de asco parece cercar o filme inteiro e Bong Joon Ho escolhe o sentido mais difícil de se representar no cinema (o olfato) para escancarar a distância que se forma entre as pessoas, por causa de suas camadas sociais. Esse tipo de crítica poderia cair, tranquilamente, num formato panfletário e vulgar sobre luta de classes, mas Bong Joon Ho foge deste tipo de armadilha com habilidade, ao mostrar que todos os seus personagens, mesmo com algumas diferenças materiais, ainda são humanos e, de uma maneira até cruel, iguais entre si, especialmente em seus vícios e baixezas. 



É semelhante, nesse sentido, com o espetacular e recente Coringa (vai rolar resenha, em breve), que também pincela a problemática social, mas aprofunda a discussão tal qual ela deveria ser sempre aprofundada, analisando as naturezas individuais de seus personagens. Não há espaço, em ambos os filmes, para se definir vilões ou mocinhos, pois todos somos muito mais complexos do que qualquer rótulo. A família de golpista de PARASITA nos desperta raiva, pena e simpatia. A família rica desperta pena, simpatia e raiva. 

Outro ponto de crítica muito interessante é a relação com a tecnologia. As cenas envolvendo celulares, como o início do filme mostrando os filhos do casal pobre tentando captar um sinal de "Wi-fi" ou a briga por um aparelho eletrônico, lá pela metade da obra, possuem um tom cartunesco perfeito para assegurar o quão insignificante essas coisas são frente a natureza do homem. Nada é mais intrigante do que o próprio ser humano e seus mistérios - suas ações e reações.

O elenco inteiro é perfeito, principalmente os quatro elementos da família pobre, mas o grande destaque é Kang-ho Song, interpretando o pai desta família. Em alguns momentos ele soa infantil, inocente, sagaz, escroto, algoz e vítima. Porém, acima de qualquer julgamento, ele ainda é um pai de família cuja preocupação principal é sua família e, mesmo diante de uma ação repugnante ou patética, há humanidade nele. Atuação irretocável e perfeita.

PARASITA é um dos grandes filmes deste ano, sem a menor dúvida, além de uma escolha maravilhosa como vencedor da Palma de Ouro. Um conto de humor negro, drama, suspense e horror, sem gênero definido, comandado por um diretor que já provou ser um dos grandes nomes da atualidade. Se não fosse pelo filme do Coringa, certamente seria o meu favorito do ano (pelo menos até agora).  

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