Um Dia de Cão começa de uma maneira incrivelmente tensa. Tudo que poderia dar errado num assalto a banco acontece com Sonny e Sal (Al Pacino e John Cazale, respectivamente), dois ladrões que são abandonados pelo terceiro comparsa, rendem um número bem maior de reféns e acabam despertando a atenção de transeuntes, o que ocasiona na rápida chegada da polícia ao local. O banco é cercado e os dois comparsas são obrigados a sustentar uma situação impossível para tentarem escapar da polícia. As negociações são tensas e você chega a acreditar que o impossível ocorrerá, mas em seu epílogo somos brutalmente surpreendidos pela realidade. E, como o pôster do filme já afirmava, o resto virou história.
Trata-se de um filme sobre um acontecimento extraordinário, que mudou por uma tarde a cidade de New York. Sonny tornou-se um herói para o povo durante uma tarde após sair do banco gritando "Attica! Attica!" – uma referência à rebelião ocorrida no presídio de Attica, em New York, que culminou na morte de 39 pessoas. Sonny pensava ter o controle da situação, cativando uma multidão de curiosos. Mas ele, bastante ingênuo, não percebeu que desde o momento que a polícia cercou o banco ele não tinha mais o controle da situação.
Acredito, aliás, que ingenuidade é a palavra que define Sonny e Sal. Na excelente atuação de Al Pacino, Sonny é um sujeito em ebulição, carismático; contudo, sua energia vai sendo apagada aos poucos, quando ele percebe que a situação em que se meteu foi a troco de nada. No terço final da obra ele diz que "está morrendo aos poucos". Isto é um fato, pois a medida que o tempo passa, a situação vai se esgotando, principalmente após a chegada do agente do FBI, Sheldon (James Broderick), que substitui o estabanado condutor das negociações, o detetive Moretti (Charles Durning). E a atuação de Pacino é precisa, pois vemos a exaustão e o desgaste que toma conta dele ao desenrolar da história. Sonny percebe, aos poucos, que não haverá volta para o que eles fizeram.
Já Sal é ingênuo, ignorante, fanático e, por tudo isso, perigoso. Logo no início da obra ele afirma a Sonny que está pronto para ir até o fim e, se precisar, matará os reféns, Vejo Sal como uma pessoa fácil de manobrar ideologicamente, disposto a fazer maldades se convencida a fazer isto, mas que não possui livre arbítrio algum. Por isso, chamo o personagem de ingênuo. E a interpretação de John Cazale é ótima também, pois desde sua postura corporal até seu visual passam várias impressões de seu personagem.
E nesse ponto devemos analisar a fantástica direção do mestre Sidney Lumet. O sentimento de tensão passado é perfeito – sentimos o nervosismo dos ladrões durante o tempo todo. Sem falar em como são traçados profundos perfis psicológicos de seus personagens com tão pouco. É claro que os excelentes atores escolhidos fizeram a diferença, mas o crédito por passar parte da carga emocional dos atores recai sobre Lumet. Sem falar nas cenas maravilhosas no interior do banco, tomadas em que Lumet mostrou seu domínio em lugares fechados (como mostrou no insuperável 12 Homens e uma Sentença).
Uma saborosa informação em torno de Um Dia de Cão é que o filme foi feito quase que inteiramente no improviso quanto aos seus diálogos. Cenas marcantes como Al Pacino gritando "Attica!", a conversa entre Al Pacino e seu amante (numa interpretação fenomenal de Chris Sarandon) e a resposta de Sal quando Sonny lhe pergunta para qual país ele gostaria de ir foram todas realizadas no improviso.
Seu final frustrante é uma mostra de como a vida é realmente. Um dia de Cão é um verdadeiro patrimônio cinematográfico, um filme que pode ser chamado de perfeito. Apesar de não ter gostado muito do epílogo, creio que ele representa exatamente o que Sidney Lumet queria nos mostrar: existem momentos únicos na vida que, por mais incríveis que possam parecer, eles passam e a vida continua a revelia do destino de seus personagens principais.