sábado, 17 de abril de 2010

Valente (The Brave One, 2007)


Adoramos histórias sobre vigilantes. Talvez, por vivermos numa sociedade onde a impunidade dos bandidos é uma realidade amarga, assistir um filme em que a justiça é feita, tal qual previa Hamurabi, nos agrada profundamente. É bom ver os bandidos serem mortos com toda a impiedade por alguém ordinário. Aliás, quanto mais ordinário for esse sujeito, mais interessante a história se torna e mais cativado nós ficamos pelo “herói” da fita.

Contudo, torcer para que os bandidos se ferrem e os justiceiros realizem seus atos com requintes de crueldade é de uma inocência atroz. Pois esses filmes de vingança nos propõem uma verdadeira reflexão sobre o ser humano. E acho que esse é o principal motivo de eu amar filmes sobre vigilantes: até que pontos nós podemos considerar um justiceiro como um cara do bem, o mocinho da história?

No caso de Valente, temos todos os elementos que já conhecemos numa história dessas: um crime bárbaro que irá mudar a vida da vítima, uma mudança total na rotina e comportamento dessa vítima, um policial que desconfia dessa pessoa e um final onde sempre há o acerto de contas com o bandido que mudou a vida dessa pessoa completamente.

Contudo, apesar desses elementos obrigatórios num filme sobre justiceiros estarem presentes em Valente, essa obra é diferenciada e inovadora em vários aspectos. Seguindo a linha de Harry Brown (crítica
aqui), Valente tem um protagonista bastante incomum nas fitas do gênero: trata-se de uma mulher, Erica Bain (Jodie Foster), que trabalha como apresentadora de um programa de rádio. Ela vive muito feliz com seu noivo, David (Naveen Andrews).
Contudo, esse romance é interrompido de maneira brutal quando um bando de meliantes ataca Erica e David, roubando o cachorro deles e espancando-os gratuitamente. David morre e Erica fica em coma por algumas semanas. Quando ela retorna a consciência, ela percebe que sua vida nunca mais será a mesma. Como ela mesma diz em certo ponto do filme: “There is no going back, to that other person, that other place. This thing, this stranger, she is all you are now”.

Temos aqui o primeiro grande trunfo da obra: o roteiro. O roteiro de Valente é maravilhoso e extremamente reflexivo. Não temos apenas uma pessoa que sai despachando os bandidos pelas ruas de uma grande cidade (que no filme é Nova York, palco de outro clássico do gênero – Desejo de Matar). Aqui, nos é oferecida uma visão do eu interior de Erica, de seu psicológico, que querendo ou não, foi alterado após o crime.

Após sair do hospital, Erica está verdadeiramente traumatizada com tudo que lhe ocorreu. Só para ela sair de casa é um verdadeiro sacrifício – e é nesse ponto da película que Neil Jordan impõe sua personalidade na obra. A câmera desloca-se na diagonal, explorando claustrofobia e, principalmente, o fato de estarmos diante de uma nova Erica Bain; aquela moça amorosa de antes foi enterrada junto com seu noivo.

Erica compra uma arma e balas. A princípio, ela não está querendo fazer justiça com as próprias mãos, entretanto ela tem que usar sua arma para matar um bandido numa conveniência. Ela não queria, porém precisava se defender.

Nesse ponto do filme, entra em cena a figura do policial Mercer (
Terence Howard) que irá conhecer Erica. De primeira, não há nada que fará com que o detetive desconfie da moça, porém aos poucos essa situação muda. Palavras e ações irão contribuir para que Mercer descubra que é aquela culta moça que está por trás dos crimes que dividem a opinião pública de Nova York.

Cabe destacar aqui as performances de Jodie Foster e Terence Howard. Ela está espetacular, personificando toda a ambigüidade que cerca sua personagem. Ele não fica atrás com seu surpreendente detetive que segue a justiça a todo custo, porém não acredita nela em muitos casos. Jodie recebeu uma indicação justíssima ao Globo de Ouro por seu desempenho.


Além da fotografia já comentada, o filme conta com uma belíssima trilha sonora composta por Dario Marianelli (que já tem uma estatueta do Oscar em sua casa pelo filme Desejo e Reparação). No entanto, o maior destaque técnico do filme cai sobre os ombros de
Neil Jordan (diretor de obras excepcionais como Entrevista com um Vampiro e Nó na Garganta) que realiza um trabalho excepcional, possivelmente um dos melhores de sua excelente carreira.

Valente levanta uma verdadeira reflexão sobre os limites do ser humano. Assim como ocorreu em Harry Brown, tenho a sensação que esse filme merece ser descoberto pelo grande público (aqui em Campo Grande, o filme nem chegou aos cinemas...). Valente é um filme muito bom.

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